domingo, 30 de janeiro de 2011
Era o dito popular: palavra bonita não enche barriga . . .
" E aconteceu o irreparável: a poesia se fracionou em saraus, em principados independentes e rivais, permanentemente em conflito. Como não sofrer a alma dos verdadeiros poetas com essa escandalosa fragmentação? Invejam-se muito mais do que temem a escalada destrutiva da nossa época violenta.
Mais ainda: os aparelhos do governo e a mídia aproveitam-se disso. Atraídos pelo ouro colocam suas equipes a serviço dos pequenos soberanos dos saraus. E as vozes dissonantes são devastadas lhe negando participar da direção do movimento ( ai, de quem falar evento) e sem poder se manifestar no domínio público das entrevistas e dos cachês, reservados à estes mesmos diretores e aos que não incomodam; os poetas combativos, oprimidos pelos preconceitos às avessas e humilhados pela onipotência e arrogância muito bem disfarçada nos discursos dos condutores, ao menor sinal, são banidos até mesmo do microfone aberto, da palavra comungada.
Daí, vaguearmos durante anos, juntando-nos alguns, participando de outros, protegendo o binômio erudito-popular, contra seus inimigos, tanto acadêmicos quanto periféricos. Borboletando para que estes dois mundos se interpenetrem. E também haja amor. Para haver um pouco de poesia no meio dessa merda toda. Se possível, uma criança no coração das letras.
E quando os tempos forem inclassificáveis e esses ritos sarauzíticos forem limitados, talvez até mesmo pela superação ou morte de seus condutores, pois, por muito tempo catalizaram e por mais tempo ainda podem promover resistências simples e verdadeiras também (para não dizer que não falamos das flores), ao desaparecer provavelmente serão vistas como “febres artísticas”, isto é, a poesia não pode se reduzir a poetas que se degladiam como se fazem nas brigas de torcidas ( ao menos mantém assim as aparências em seus currais, diante do público; pois nos bastidores, quando os líderes opostos se encontram, há outras arapucas: it´s all about money ! – ...dinheiro, louro dinheiro...) Os saraus fazendo política e a poesia morrendo, morrendo. Preferimos os saraus fazendo poesia, e outra política vicejando, vicejando...
Mas quem vai acreditar no nosso depoimento? Diário de momentos amadurecidos amadurecendo"
Mais ainda: os aparelhos do governo e a mídia aproveitam-se disso. Atraídos pelo ouro colocam suas equipes a serviço dos pequenos soberanos dos saraus. E as vozes dissonantes são devastadas lhe negando participar da direção do movimento ( ai, de quem falar evento) e sem poder se manifestar no domínio público das entrevistas e dos cachês, reservados à estes mesmos diretores e aos que não incomodam; os poetas combativos, oprimidos pelos preconceitos às avessas e humilhados pela onipotência e arrogância muito bem disfarçada nos discursos dos condutores, ao menor sinal, são banidos até mesmo do microfone aberto, da palavra comungada.
Daí, vaguearmos durante anos, juntando-nos alguns, participando de outros, protegendo o binômio erudito-popular, contra seus inimigos, tanto acadêmicos quanto periféricos. Borboletando para que estes dois mundos se interpenetrem. E também haja amor. Para haver um pouco de poesia no meio dessa merda toda. Se possível, uma criança no coração das letras.
E quando os tempos forem inclassificáveis e esses ritos sarauzíticos forem limitados, talvez até mesmo pela superação ou morte de seus condutores, pois, por muito tempo catalizaram e por mais tempo ainda podem promover resistências simples e verdadeiras também (para não dizer que não falamos das flores), ao desaparecer provavelmente serão vistas como “febres artísticas”, isto é, a poesia não pode se reduzir a poetas que se degladiam como se fazem nas brigas de torcidas ( ao menos mantém assim as aparências em seus currais, diante do público; pois nos bastidores, quando os líderes opostos se encontram, há outras arapucas: it´s all about money ! – ...dinheiro, louro dinheiro...) Os saraus fazendo política e a poesia morrendo, morrendo. Preferimos os saraus fazendo poesia, e outra política vicejando, vicejando...
Mas quem vai acreditar no nosso depoimento? Diário de momentos amadurecidos amadurecendo"
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Uns eram comunistas
"Uns eram comunistas"
Giorgio Gaber e Sandro Luporini
[Traduzido do italiano por Yuri Martins Fontes]
Uns eram comunistas porque nasceram na engajada Emília Romana.
Uns eram comunistam porque o avô, o tio, o papai... a mamãe não.
Uns eram comunistam porque viam a Rússia como uma promessa,
a China como uma poesia e o comunismo como o paraíso terrestre.
Uns eram comunistas porque se sentiam sós.
Uns eram comunistas porque haviam tido uma educação demasiado
católica.
Uns eram comunistas porque o cinema o exigia, o teatro o exigia, a
pintura o exigia, a literatura também. Todos o exigiam.
Uns eram comunistas porque “A História está do nosso lado!”
Uns eram comunistas porque lhes tinham dito.
Uns eram comunistas porque não lhes tinham dito tudo.
Uns eram comunistas porque antes eram fascistas.
Uns eram comunistas porque tinham percebido que a Rússia andava
devagar, mas longe.
Uns eram comunistas porque camarada Berlinguer era uma boa
pessoa.
Uns eram comunistas porque o democrata-cristão Andreotti não
era uma boa pessoa.
Uns eram comunistas porque eram ricos mas amavam o povo.
Uns eram comunistas porque bebiam o vinho e se comoviam nas
festas populares.
Uns eram comunistas porque eram tão ateus que precisavam de
outro Deus.
Uns eram comunistas porque eram tão fascinados pelos operários
que queriam ser um deles.
Uns eram comunistas porque não podiam ser mais do que
operários.
Uns eram comunistas porque queriam aumento de salário.
Uns eras comunistas porque a burguesia-o proletariado-a luta de
classes. Fácil não?
Uns eram comunistas porque a revolução hoje não, amanhã talvez,
mas depois de amanhã com certeza.
Uns eram comunistas porque “Viva Marx, viva Lenin, viva Mao
Tsé-Tung”.
Uns eram comunistas para irritar ao pai.
Uns eram comunistas porque só assistiam a TV-RAI 3.
Uns eram comunistas por moda, uns por princípio, uns por
frustração.
Uns eram comunistas porque queriam nacionalizar tudo.
Uns eram comunistas porque não conheciam os burocratas estatais,
para-estatais e afins.
Uns eram comunistas porque tinham trocado o “materialismo
dialético” pelo “Evangelho segundo Lenin”.
Uns eram comunistas porque estavam convictos de ter atrás de si a
classe operária.
Uns eram comunistas porque eram mais comunistas que os outros.
Uns eram comunistas porque havia o grande Partido Comunista.
Uns eram comunistas apesar de haver o grande Partido Comunista.
Uns eram comunistas porque não existia nada de melhor.
Uns eram comunistas porque temos o pior Partido Socialista da
Europa.
Uns eram comunistas porque um Estado pior que o nosso, só
Uganda.
Uns eram comunistas porque não aguentavam mais quarenta anos
de governos viscosos e mafiosos.
Uns eram comunistas por causa dos atentados fascistas da Praça
Fontana, Brescia, a estação de Bologna, o Italicus, Ustica etcétera
etcétera etcétera.
Uns eram comunistas porque quem era contra, era comunista.
*********************************************************
Uns eram comunistas porque não suportavam mais aquela coisa suja
a que nos obstinamos a chamar democracia.
Uns acreditavam ser comunistas e talvez fossem outra coisa
qualquer.
Uns eram comunistas porque sonhavam com uma liberdade diversa
daquela estadunidense.
Uns eram comunistas porque acreditavam que só poderiam estar
vivos e serem felizes se os outros também o fossem.
Uns eram comunistas porque precisavam de um empurrão para
algo de novo.
Porque estavam dispostos a modificar-se a cada dia.
Porque sentiam a necessidade de uma moral diferente.
Porque talvez fosse só uma força, um vôo, um sonho, fosse só um
salto, fosse só um desejo de mudar as coisas, de mudar a vida.
Uns eram comunistas porque estando ao lado deste salto, cada qual
era como mais de si mesmo: era como duas pessoas numa. De uma
parte o cansaço pessoal cotidiano e de outra o sentimento de
pertencer a uma raça que queria levantar vôo, para mudar
verdadeiramente a vida.
Não, nada a arrepender-se. Talvez por isso então muitos tenham
aberto as asas sem serem capazes de voar, como gaivotas
hipotéticas.
E agora? Também agora se sentem como dois, de um lado o
homem inserido, que atravessa obsequiosamente a miséria da
própria sobrevivência cotidiana e do outro a gaivota, sem mais
sequer a intenção do vôo, porque afinal de contas o sonho se
entorpeceu.
Duas misérias em um só corpo.
Se os comunistas têm razão, então eu sou o louco mais solitário em vida. Se eles estão errados, então não há esperança para o mundo
Giorgio Gaber e Sandro Luporini
[Traduzido do italiano por Yuri Martins Fontes]
Uns eram comunistas porque nasceram na engajada Emília Romana.
Uns eram comunistam porque o avô, o tio, o papai... a mamãe não.
Uns eram comunistam porque viam a Rússia como uma promessa,
a China como uma poesia e o comunismo como o paraíso terrestre.
Uns eram comunistas porque se sentiam sós.
Uns eram comunistas porque haviam tido uma educação demasiado
católica.
Uns eram comunistas porque o cinema o exigia, o teatro o exigia, a
pintura o exigia, a literatura também. Todos o exigiam.
Uns eram comunistas porque “A História está do nosso lado!”
Uns eram comunistas porque lhes tinham dito.
Uns eram comunistas porque não lhes tinham dito tudo.
Uns eram comunistas porque antes eram fascistas.
Uns eram comunistas porque tinham percebido que a Rússia andava
devagar, mas longe.
Uns eram comunistas porque camarada Berlinguer era uma boa
pessoa.
Uns eram comunistas porque o democrata-cristão Andreotti não
era uma boa pessoa.
Uns eram comunistas porque eram ricos mas amavam o povo.
Uns eram comunistas porque bebiam o vinho e se comoviam nas
festas populares.
Uns eram comunistas porque eram tão ateus que precisavam de
outro Deus.
Uns eram comunistas porque eram tão fascinados pelos operários
que queriam ser um deles.
Uns eram comunistas porque não podiam ser mais do que
operários.
Uns eram comunistas porque queriam aumento de salário.
Uns eras comunistas porque a burguesia-o proletariado-a luta de
classes. Fácil não?
Uns eram comunistas porque a revolução hoje não, amanhã talvez,
mas depois de amanhã com certeza.
Uns eram comunistas porque “Viva Marx, viva Lenin, viva Mao
Tsé-Tung”.
Uns eram comunistas para irritar ao pai.
Uns eram comunistas porque só assistiam a TV-RAI 3.
Uns eram comunistas por moda, uns por princípio, uns por
frustração.
Uns eram comunistas porque queriam nacionalizar tudo.
Uns eram comunistas porque não conheciam os burocratas estatais,
para-estatais e afins.
Uns eram comunistas porque tinham trocado o “materialismo
dialético” pelo “Evangelho segundo Lenin”.
Uns eram comunistas porque estavam convictos de ter atrás de si a
classe operária.
Uns eram comunistas porque eram mais comunistas que os outros.
Uns eram comunistas porque havia o grande Partido Comunista.
Uns eram comunistas apesar de haver o grande Partido Comunista.
Uns eram comunistas porque não existia nada de melhor.
Uns eram comunistas porque temos o pior Partido Socialista da
Europa.
Uns eram comunistas porque um Estado pior que o nosso, só
Uganda.
Uns eram comunistas porque não aguentavam mais quarenta anos
de governos viscosos e mafiosos.
Uns eram comunistas por causa dos atentados fascistas da Praça
Fontana, Brescia, a estação de Bologna, o Italicus, Ustica etcétera
etcétera etcétera.
Uns eram comunistas porque quem era contra, era comunista.
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Uns eram comunistas porque não suportavam mais aquela coisa suja
a que nos obstinamos a chamar democracia.
Uns acreditavam ser comunistas e talvez fossem outra coisa
qualquer.
Uns eram comunistas porque sonhavam com uma liberdade diversa
daquela estadunidense.
Uns eram comunistas porque acreditavam que só poderiam estar
vivos e serem felizes se os outros também o fossem.
Uns eram comunistas porque precisavam de um empurrão para
algo de novo.
Porque estavam dispostos a modificar-se a cada dia.
Porque sentiam a necessidade de uma moral diferente.
Porque talvez fosse só uma força, um vôo, um sonho, fosse só um
salto, fosse só um desejo de mudar as coisas, de mudar a vida.
Uns eram comunistas porque estando ao lado deste salto, cada qual
era como mais de si mesmo: era como duas pessoas numa. De uma
parte o cansaço pessoal cotidiano e de outra o sentimento de
pertencer a uma raça que queria levantar vôo, para mudar
verdadeiramente a vida.
Não, nada a arrepender-se. Talvez por isso então muitos tenham
aberto as asas sem serem capazes de voar, como gaivotas
hipotéticas.
E agora? Também agora se sentem como dois, de um lado o
homem inserido, que atravessa obsequiosamente a miséria da
própria sobrevivência cotidiana e do outro a gaivota, sem mais
sequer a intenção do vôo, porque afinal de contas o sonho se
entorpeceu.
Duas misérias em um só corpo.
Se os comunistas têm razão, então eu sou o louco mais solitário em vida. Se eles estão errados, então não há esperança para o mundo
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